sábado, 31 de janeiro de 2009

A recompensa

Parecia que seus dedos nunca tinham escrito se quer uma palavra que fosse. Escrevia com tanta sede, segurava o lápis com tamanha precisão, que a folha de papel sequer ousou sair do lugar enquanto ruminava. A respiração ofegante de emoção esbanjava desespero e, ansiedade, inquietação. Palavras saíam da ponta do lápis levemente dispostas a escrever uma história jamais escrita, como jamais acontecera a ele. 'São as palavras que nos escolhem, não nós que as escolhemos', lembrou. E por um instante sentiu um acolhimento sincero, 'vieram para mim', pensou.
Os indícios de um arrebatamento emocional continuavam ao chão, refletindo os raios do sol que os iluminavam. Emoções borbulhavam dentro de si. Pouco se importava, continuava a escrever e ignorava tudo ao seu redor. Só o que lhe importava naquele momento era o que sentia por dentro. Era tudo o que queria, o que precisava. Olhou por um instante para o chão, exatamente no momento em que um dos cacos ficou mais iluminado por um dos raios do sol que entravam pela janela, 'uma xícara a mais, a menos, que diferença faz? Nenhuma. Essas coisas que a gente ganha quando casa e ficam aí, pedindo para serem quebradas, bah. A única coisa faltosa é o café. Santo café que me acompanha sempre', resmungou em pensamento.
Ficou sentado ali escrevendo, ofegante, escrevendo, respirando, sentindo, transpirando, concentrado durante horas a fio. Nem sequer olhou que horas eram, mas já havia notado que o sol já estava para se por. Sentiu seus músculos doloridos de ficar tanto tempo numa mesma posição. Largou o lápis, empurrou os escritos para o lado e espreguiçou-se. Levou os braços a cima da cabeça, esticou o tronco, estralou os dedos, o pescoço, esticou os braços, e respirou fundo.
Sentiu-se renovado. Ainda estava sobre o efeito das palavras que saíram de dentro. Levantou-se e espreguiçou-se novamente. Pisou em cima de todos os cacos como se não estivessem lhe cortando, ia andando em direção à janela, e, quando estava para chegar mais perto, pisou fundo nos cacos, fechou os olhos, e um grito saiu de dentro de si. Respirou fundo.
Debruçou-se na janela, olhou para baixo e não havia ninguém na rua. Sua visão do décimo quinto andar não era muito a favor de olhar as pessoas lá em baixo. Ficou tonto, resolveu voltar para dentro.
Sentiu a vida. Sentiu-se vivo. Encheu o peito de ar. Respirou e inspirou. Tomou fôlego, e mergulhou em sua cama. Ficou ali durante minutos olhando para o teto e com os pés machucados para fora da cama. Começou a sentir a dor, retorceu os pés, mas não deu importância. E finalmente ali ficou, quieto, sem nem sequer lembrar da falta que a voz da Ella fazia, virou para o lado, acomodou-se nos cobertores, fechou os olhos e dormiu.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O acerto

A manhã passou e continuou deitado na cama, largado, internamente clamando por algo que pudesse salvá-lo. Nem sequer conseguiu dormir um pouco mais. Seus olhos não fechavam. Virou-se de lado e foi cegado pela luz do rádio-relógio que marcava catorze horas e trinta e dois minutos. Achou um disparate ter deixado seu corpo entregue a tamanho deleite sobre um pecado tão capital como a preguiça. Sentiu uma imensa culpa por achar que ao deitar-se todos os questionamentos iriam pra longe.

Cumpriu com o mesmo ritual de antes. Abriu as cortinas, deixou o sol entrar, arrumou a cama, foi ao banheiro lavar a face e olhar novamente os respingos, foi até a cozinha, deu um gole no café amanhecido e lembrou-se do que sua falecida avó dizia, 'café velho e frio, é como um chute na bunda, meu filho', e sentiu o café descer com desgosto pela garganta. Preparou um pão com manteiga para saciar sua fome por hora, e desanimou quando viu as panelas engorduradas sem lavar na pia. 'Há quantos dias ninguém aparece por aqui?', murmurou.

Sentiu vontade de ouvir Ella. Sempre se sente acolhido quando ouve o som da sua voz. Grande, negra e bela, Ella Fitzgerald. Ligou o toca discos, e enquanto ouvia a melodia, 'how high the moon, there is no moon above when love is far away too, till it comes true, that you love me as I love you...', sentiu saudades de um tempo que não volta mais, moreu seu pão com manteiga e deu mais um gole no desgostoso café.

O sol mostrava seu brilho como nunca através das janelas. Em frente à escrivaninha, e os papéis respingados de café ainda estavam lá. Sujos de café e limpos de palavras. Apenas papéis e respingos. Nada de letras, palavras, sintaxes, paráfrases. Nada. Nenhuma de suas anotações estava lá.

O não e o sim continuavam a vagar por sua cabeça, quando subitamente, jogou a xícara cheia de café contra a parede, como que para descontar sua raiva. O barulho da xícara quebrando deu-lhe um imenso prazer. Amassou todos os papéis em cima da mesa.

Olhou todos aqueles cacos no chão, e com as mãos apertando a cabeça como se dela fosse sair algo, passou as mãos pelo rosto e correu para o espelho. Ficou por minutos ali, encarando a si mesmo em silêncio. Abriu a torneira e molhou as mãos. Molhou o rosto também. Secou-se. Não havia nenhum respingo.

Depois de acalmar-se e organizar os monstros, voltou à escrivaninha, sentou-se, pegou um lápis, um papel e começou a escrever desesperadamente sobre o que sentia. O reflexo do sol batia nos cacos de vidro e Ella sussurrava baixinho, 'I walk the floor and watch the door, and in between I drink, black coffee...'.
Os cacos continuaram lá, e em seus pensamentos dizia, "nunca acertei tanto em acabar brutalmente com um desgosto".

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O preço

Olhou preguiçosamente para o despertador que marcava seis horas e vinte minutos da madrugada. Levantou, foi até a cozinha e passou um café fresco. Ao invés de pegar o jornal como de costume, resolveu ligar a tevê no noticiário da manhã. Sentou-se na beira da cama e ali ficou a assistir por alguns minutos. Logo depois, cansou-se de tantos delírios e resolveu arrumar a cama, abrir as janelas, deixar o sol entrar, lavar o rosto, escovar os dentes e dar um rumo à vida.
Como se escovar os dentes e lavar o rosto mudasse algo no reflexo que veria no espelho, jogou a água que julgou bendita na face, e olhou os respingos. Continou a olhar. Nada via de incomum, apenas os respingos. Uma das coisas que gostaria de mudar era sua capacidade de dizer sim e a de não dizer não. O equilíbrio dessas palavras em sua vida não existe.
Ouviu certa vez, que muitos nãos custam um único sim durante uma vida. Achou muito sábio, mas não era o tipo de filosofia que conseguiria se adequar rapidamente. Sempre deixa tudo para depois. Então, que diferença faria esperar calmamente pelo dia em que irá acordar e dizer, 'não. Agora não' em frente aos respingos no espelho? O preço que se paga por um não é tão caro quanto um sim.
Lembrou-se de ter deixado umas gotas de café caírem sobre umas folhas em sua escrivaninha, e pensou, 'mais vale uma escolha mal feita, do que uma escolha não feita'. Estaria disposto a pagar? E pensou: 'tem dias em que é melhor se fechar'.
Fechou todas as cortinas, desligou a tevê, desarrumou a cama, olhou para o relógio que marcava sete horas e vinte minutos e voltou a dormir.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Alien (!)

Im gonna love you like nobodys loved you
Come rain, or come shine
High as a mountain and deep as a river
Come rain or come shine
I guess when you met me
It was just one of those things
But dont ever bet me
'cause Im gonna be true if you let me...
Li no jornal outro dia que foi encontrado no Planeta Vermelho, Marte, gás metano. Claro, mais uma tentativa de dizer que lá, bem longe, existe vida também. Pode ser, porque não? E será, que de lá, eles podem nos ver? São tantas as discussões sobre a origem da humanidade, e também sobre a busca de vida em outro planeta, que me leva a pensar, que, de repente eu possa ser uma alienígena.
Sim, porque não? Um(a) alien. Feita pela lua, e entregue diretamente à terra, mais humana do que nunca, em busca de um amor, amor puro, faça chuva ou faça sol. Que sente as pequenas coisas da vida. Que gosta de uma boa leitura acompanhada de um café bem preto. Que adora ouvir a música. Que gosta de indivíduos, não de pessoas. Que chora assistindo a um filme. Que gosta de contar as estrelas. Que aprecia um dia ensolarado. Que se encanta com o muito (pouco) que a vida trás.

Pego uma caneta e um papel e há dias tento entender pra onde foi e para onde é que ainda vai. Um dia aqui, outro dia lá. A vida passa, leva e trás. Acordo com todo o pretexto e a esperança do mundo, olho o sol, a lua, as estrelas, e desacredito que possa existir alguém que não sinta. Este foi um dia chuvoso, regado a Etta James, a pensar, a sentir, a pessoas, à vida. Se houver mesmo vida em marte, sejam bem vindos. E, por favor, não tragam o metano pra cá. Já estamos cheios.

Até amanhã (s).

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

"Ninguém sabe o que sou quando rumino"

Bons dias! Vi não me lembra onde...


É meu costume; quando não tenho o que fazer em casa, ir por esse mundo de Cristo, se assim se pode chamar à cidade de São Sebastião, matar o tempo. Não conheço melhor ofício, mormente se a gente se mete por bairros excêntricos; um homem, uma tabuleta, qualquer coisa basta a entreter o espírito, e a gente volta para casa "lesta e aguda", como se dizia em não sei que comédia antiga.
Naturalmente, cansadas as pernas, meto-me no primeiro bond, que pode trazer-me à casa ou à Rua do Ouvidor, que é onde todos moramos. Se o bond é dos que têm de ir por vias estreitas e atravancadas, torna-se um verdadeiro obséquio do céu. De quando em quando, pára diante de uma carroça que despeja ou recolhe fardos. O cocheiro trava o carro, ata as rédeas, desce e acende um cigarro: o condutor desce também e vai dar uma vista de olhos ao obstáculo. Eu, e todos os veneráveis camelos da Arábia, vulgo passageiros, se estamos dizendo alguma coisa, calamo-nos para ruminar e esperar. Ninguém sabe o que sou quando rumino. Posso dizer, sem medo de errar, que rumino muito melhor do que falo. A palestra é uma espécie de peneira, por onde a idéia sai com dificuldade, creio que mais fina, mas muito menos sincera. Ruminando, a idéia fica íntegra e livre. Sou mais profundo ruminando; e mais elevado também.
Ainda anteontem, aproveitando uma meia hora de bond parado, lembrou-me não sei como o incêndio do club dos Tenentes do Diabo. Ruminei os episódios todos, entre eles os atos de generosidade tinham parte das sociedades congêneres; e fiquei triste de não estar naquela primeira juventude, em que a alma se mostra capaz de sacrifícios e de bravura. Todas essas dedicações dão prova de uma solidariedade rara, grata ao coração.
Dois episódios, porém, me deram a medida do que valho quando rumino. Toda a gente os leu separadamente; o leitor e eu fomos os únicos que os comparamos.
Refiro-me, primeiramente, à ação daqueles sócios de outro club, que correram à casa que ardia, e, acudindo-lhes à lembrança os estandartes, bradaram que era preciso salvá-los. "Salvemos os estandartes!" E tê-lo-iam feito, a troco da vida de alguns se não fossem impedidos a tempo. Era loucura, mas loucura sublime. Os estandartes são para eles o símbolo da associação, representam a honra comum, as glórias comuns, o espírito que os liga e perpetua.
Esse foi o primeiro episódio. Ao pé dele temos o do empregado que dormia, na sala. Acordou este cercado de fumo que o ia sufocando e matando. Ergueu-se, compreendeu tudo, estava perdido, era preciso fugir. Pegou em si e no livro da escrituração e correu pela escada abaixo.
Comparai esses dois atos, a salvação dos estandartes e a salvação do livro, e tereis uma imagem completa do homem. Vós mesmos que me ledes sois outros tantos exemplos de conclusão. Uns dirão que o empregado, salvando o livro, salvou o sólido; o resto é obra de sirgueiro. Outros replicarão que a contabilidade pode ser reconstituída, mas que o estandarte, símbolo da associação, é também a sua alma; velho e chamuscado, valeria muito mais que o que possa sair agora novo, de uma loja. Compará-lo-ão à bandeira de uma nação, que os soldados perdem no combate, ou trazem esfarrapada e gloriosa.
E todos vós tereis razão; sois as duas metades do homem, formais o homem todo... Entretanto, isso que aí fica dito está longe da sublimidade com que o ruminei. Oh! Se todos ficássemos calados! Que imensidade de belas e grandes idéias! Que saraus excelentes! Que sessões de Câmara! Que magníficas viagens de bond!
Mas por onde é que eu tinha principiado? Ah! Uma coisa que vi, sem saber onde...
Não me lembra se foi andando de bond; creio que não. Fosse onde fosse, no centro da cidade ou fora dela. Vi, à porta de algumas casas, esqueletos de gente postos em atitudes joviais. Sabem que o meu único defeito é ser piegas; venero os esqueletos, já porque o são, já porque o não sou. Não sei se me explico. Tiro o chapéu às caveiras; gosto da respeitosa liberdade com que Hamlet fala à do bobo Yorick. Esqueletos de mostrador, fazendo guifonas, sejam eles de verdade ou não, é coisa que me aflige. Há tanta coisa gaiata por esse mundo, que não vale a pena ir ao outro arrancar de lá os que dormem. Não desconheço que esta minha pieguice ia melhor em verso, com toada de recitativo ao piano: Mas é que eu não faço versos; isto não é verso:
Venha o esqueleto, mais tristonho e grave bem como a ave, que fugiu do além... Sim, ponhamos o esqueleto nos mostradores, mas sério, tão sério como se fosse o próprio esqueleto do nosso avô, por exemplo... Obrigá-lo a uma polca, habanera, lundu ou cracoviana...cracoviana? Sim, leitora amiga, é uma dança muito antiga, que o nosso amigo João, cá de casa, executa maravilhosamente, no intervalo dos seus trabalhos. Quando acaba, diz-nos sempre, parodiando um trecho de Shakespeare: "Há entre a vossa e a minha idade, muito mais coisas do que sonha a vossa vã filosofia”.
Boas noites!
Machado de Assis
21 de janeiro de 1889

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Comédias da vida privada

Depois de um sono bem demorado, acordei cedo, tinha coisas a fazer. Fui lá, fiz tudo o que tinha de fazer e voltei feliz da vida, pensando o quão de bem com a vida eu estou. Parecia que todas as pessoas na rua sorriam pra mim, junto com as árvores, as flores e os passarinhos também.
Chego em casa, almoço, tomo banho, entro no MSN para confirmar um passeio com uma amiga, quando o céu começou a escurecer e a prometer uma chuvona. Liguei pra ela, e acabamos não indo, ficou para quando o tempo resolver cooperar.
O toró caiu mais calmo do que o normal. Não foi daqueles de querer ir dançar junto, principalmente porque parece ter trazido para perto o que já estava adormecido fazia um certo tempo. Meu telefone começou a tocar. Senti um leve arrepio na espinha quando ví quem era que estava a me procurar, "Não vou atender", pensei. E não atendi. Minha tranquilidada estava boa demais para ser verdade.
Algumas pessoas não se conformam e acabam infernizando nossa vida, tentando fazer com que a culpa se volte contra nós. Pessoas assim são psicopatas sentimentais, não é possível. Quando somem e resolvem aparecer, é um perigo: "Tenho algo a lhe dizer, e seria bom da sua parte ser mais gentil e me atender, é muito importante". O que poderia ser tão importante depois de tanto tempo? "Continua gostando de dar ordens! O que está feito está feito, queridinho. Você já conseguiu estragar tudo", pensei comigo e olhei pros versos escritos em um papelzinho:
Eu sei, você já parou de contar as estrelas do céu
E eu não, eu não posso mais te ajudar a dizer onde estão
Seu olhar pesado me prende ao solo
E eu sei, eu não posso mais flutuar
entre estrelas do céu que você apagou
Falta um pouco de luz nos seus olhos
e me dá saudade o seu rosto brilhando ao sol,
Falta um pouco de amor no seu corpo
e eu não posso te dar pois em mim faltará também...
Confesso, minha curiosidade foi maior do que o que dentro de mim dizia para não cair em tentação. Eu sabia que não era apenas uma coisa a me dizer. Mas resolvi acabar de uma vez com isso. Minha paz vale muito, muito. "Sea, lo que sea"!
Enquanto a chuva parava de cair, e o Barack Obama tomava posse como novo presidente dos Estados Unidos, eu descobrira que fui traída pelo meu ex-namorado exatamente a um ano atrás (HÁ-HÁ-HÁ! Gargalhem comigo, mulheres do meu Brasil).
Dei atenção a uma história que não deveria ter dado. O que vai mudar eu saber disso agora? Faria tanta diferença saber disso antes, só ele não percebeu. Polparia um esforço tremendo de dizer a ele que não queria mais, e talvez ele também sofreria menos, afinal, tinha uma outra pessoa para se apoiar, não?
Quem terminou depois de dois anos fui eu. O motivo é bem simples, o comportamento da outra pessoa perante mim e os acontecimentos que nos envolviam.
Hoje, cada vez mais, tenho certeza de que fiz um favor a mim mesma. Só lamento pelas boas companhias que se foram junto.
Depois de aguentar surtos, ser boazinha, e ter que aturar a perseguição do orgulho ferido alheio, agora isso? A sinceridade vai fazer eu voltar atrás? Não! Bingo! Nao confio mais. Sendo ela verdade ou mentira não muda nada. Talvez mude pra ele, talvez tenha uma consciência mais limpa agora. Talvez. Só talvez. Não acredito. E, hoje, agora, nunca desejei que uma pessoa fosse tão feliz, de todo meu coração.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Chove chuva, chove sem parar

O tempo está quente lá fora. Tão quente que daqui a pouco vai começar a chover. Espero que não venha uma daquelas que entorta até os postes que há na rua. A chuva ensaia para cair. O vento venta muito forte. É ele quem vem trazer a chuva. Chuva que vem mais fraca do que imaginava. E o vento que a trouxe, já foi embora. Faz bem, refresca a natureza. Leva embora toda a poeira. Lava todos os chãos. Tranquila, fresca, para o bem, sem raios e trovões. Cai a chuva. Uma perfeita comunhão existe entre seus movimentos e a natureza. Ê, vontade de ir lá com ela. Abrir os braços, se entregar, se molhar, rodopiar. Só eu e ela.
...Eu sei que o meu amor pra muito longe foi
Numa chuva que caiu
Oh gente por favor pra ela vá contar
Que o meu coração se partiu
Chuva traga o meu benzinho
Pois preciso de carinho
Diga a ele pra não me deixar triste assim
O ritmo dos pingos ao cair no chão
Só me deixa relembrar
Tomara que eu não fique a esperar em vão
Por ele que me faz chorar...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Cigarra

Existem dias em que a Cigarra sente que não cantou o suficiente,
Existem dias em que a Cigarra chorando lamenta um novo sol raiando,
Existem dias em que a árvore da Cigarra parece podada, mesmo cheia de folhas.
Existem dias em que a Cigarra não quer cantar, por achar que não sabe encantar.
Existem dias em que o inverno e a tempestade são seus melhores companheiros.
Existem dias em que a Cigarra sente que não é notada pelas formigas.
Existem dias em que a Cigarra não nota as Formigas à sua volta.
E, assim Dona Cigarra vai vivendo.
Existiu um dia em que a Cigarra abriu os olhos para o sol e cantou.
Existiu um dia em que a árvore da Cigarra estava cheia de frutos.
Existiu um dia em que a Cigarra foi notada pelas Formigas.
Existiu um dia em que a Cigarra sentiu uma grande emoção.
Existiu um dia em que a Cigarra, quando viu, de tanto cantar explodiu.
"Tragédia, tragédia! Cigarra passa o verão todo cantando e explode de tanto fazê-lo", dizia a manchete na primeira capa do jornal no dia seguinte.
Boas novas! Não pergunte-me porque raios escrevi isso. Hoje foi um dia de explodir de cantoria pros lados de cá. Não me diga o porquê. Sempre gosto quando isso acontece. Me inspira. Danço, corro, balanço, sento, levanto, espanto.
Psiu, só entre nós, não conte a ninguém, mas... Eu, quando escuto Elvis Presley tenho vontade de sair dançando por aí.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Nostalgia regada a reencontro.

Impressionante a capacidade que o ser humano tem de não se dar bem com seu semelhante. Diferenças às vezes tão banais que, quando o tempo passa, a identificação com uma pessoa que a diferença existia, é muito mais profunda do que com outra que, no passado, você acreditava ser a real identificação. Talvez nunca achemos a ‘real’ ou ‘ideal’ identificação com o outro, mas, de fato, acreditamos que elas existem, e ah, faz um bem daqueles!

As pessoas vão mudando e, necessariamente, o que é hoje não tem de ser como era antes. Não por isso deixará de ser bom ou será ruim. As circunstâncias proporcionam um ‘novo olhar’ sobre a vida, sobre a existência das pessoas na nossa vida; algumas vão passar por ela levemente, sem deixar marcas; já outras, ficam marcadas pra sempre.

Estou dentro de um discurso sério demais para falar de uma coisa muito simples, rs. Relações humanas, ponto. Falo isso porque, outro dia, acabei comprovando pra mim mesma quão diferente são as pessoas e, quanta afinidade pode ter conosco aquele que apenas tinha diferenças, ou também aquele que nunca teve uma importância e você nem imaginava que entraria na sua vida.

Foi aniversário de uma amiga das antigas outro dia, fomos num bar, e revi colegas do primário e também do colegial. Pessoas que sempre conviveram comigo, que fizeram parte de uma grande parte da minha vida, e, conversando e olhando pra cada um, percebi que, da sala de aula para a mesa de um bar, as coisas mudaram muito. Depois que cheguei em casa, olhei pra eles e um filminho passou na minha cabeça.

A pessoa com quem eu discutia e achava uma tonta, hoje é a que eu mais tenho afinidade, dentre tantas que concordavam. Já esses, os que concordavam, volto àquela questão anterior da real identificação, a pessoa que eu mais tinha afinidade, concordava e hoje não faz muita diferença. Confesso-me um tanto quanto decepcionada.

Aquela que eu achava uma bobona, mas concordava com ela em algumas coisas e não contava pra ninguém, eu continuo concordando -não em tudo, claro- e, não acho ela mais uma bobona. Os que zombavam de mim continuam os mesmos, extremamente estudiosos (uhhhh!) e me fazendo rir da minha própria desgraça. É, pois é...

São outras, são outros. Diferenças gritantes entre cada um, e isso é demais. Okay, as pessoas tem diferenças, mudam, o tempo passa etc. e tal. Mas, você não pararia para pensar como eu? Acho legal pensar nessas coisas. Lembrar do passado, e ver o que ele se tornou. Continuo pensando, e ainda acho incrível a capacidade do ser humano de não se dar bem com seu semelhante, e o quão inconstante e saudosista é. Pode ser destruidor também, tinha esquecido disso. É, as afinidades vão embora por causa da destruição, é, acho que é por aí. Um dia eu chego lá.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Mulheres de Atenas

Entram, uma seguida da outra, acomodam-se nas longas, macias e verdes cadeiras. A meia luz, uma verde palidez das paredes enfeitadas com esculturas de ancas largas e de formas arredondadas, acolhe um frio barulhento e inquieto que sai do ar, que, condicionado provoca seriedade.
À frente, uma mesa comprida, vestida por completo em vermelho. Suas costas nos mostram uma tela na qual obras-primas de clássicos e renomados artistas são passadas lembrando-me a poesia de Chico ao cantar ‘Mulheres de Atenas’. Todos miraram-se nos exemplos.
O dia é festivo, a merecida comemoração é em nome de todas as Cadenas, Falenas, Helenas, Morenas e Serenas, que, quando amadas, perfumadas, se ajoelham, pedem, imploram. Marcas do orgulho e raça de Atenas. Palmas, palmas.
Ao lado esquerdo, a compahia de honradas bandeiras; à direita uma solidão que comporta um púlpito completamente mudo; a falar, falar e falar está uma linda mulher de cabelos negros e pele branca. ‘Nada acontece novo, sem o sol’, Salomão - diz.
Murmurinhos apressados, tosses roucas, corpos estirados nas cadeiras, mentes e pernas inquietas, um desinteresse surdo e um interesse mudo aparecem durante o falar da moça e entre o abrir e fechar da porta. Todos olham.
Chega o final e mãos inquietas se movimentam, a fim de prestigiar. Mas dali, talvez, todos tenham saído ilesos, e voltado calmamente para os braços, menos, as mulheres de Atenas.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Grito de liberdade

A caixinha está cheia, transbordando emoções, digamos, embaralhadas: "do que serve tudo isso?", "da onde vem tamanha 'embaralhação'?", "alguém pode me responder o porquê?". Talvez sejam respostas que nunca chegem até a mim, mas, se for perguntado a mim, o que mais me irrita, eu responderei que é o tempo que perdemos fazendo coisas que achávamos que realmente eram válidas para algo na vida, e de nada nos serviram.
Estou tentando arranjar algum jeito de apertar a descarga. Mas, como? Concentração, respiração, vai, um, dois, um, dois. Superlotação, a ponto de negligenciar tantas coisas, e dentre elas o pagamento ao jornaleiro no domingo, a agenda que ainda não comprei, o filme que ainda não assisti, a palavra que ainda não escrevi, e inclusive a que ainda não falei.
Tão cheia, a ponto de ao mesmo tempo em que escrevo este texto, penso em milhares de coisas sobre as quais poderia escrever e não cabem aqui. Talvez nunca caberão. Ah! Conflitos, para que tê-los? Para quê, Deus?
Dizem que repertório é uma coisa importante -sim, concordo, é-. Mas só o é, se é sabido o que fazer com ele. Achamos que tudo não serviu de nada, mas na verdade não fizemos nada com o tudo, e aí, catapuft. Senhora frustração, muito prazer!
Mais uma vez, cá estou, fazendo nada com o que tenho em mãos. Falo, falo, e não chego a nenhum lugar, lugar nenhum. Talvez eu venha desse lugar, 'lugar nenhum', lugar incomum. Que tipo de pessoa se diverte tomando café e lendo um livro? Hã? Oh, Deus, a que mundo pertenço? Só faz quase quinze dias que não saio de casa, e que uso as mesmas roupas e vejo sempre o mesmo lugar. Não se assuste, é apenas um eu-lírico não tão poético manifestando-se no meu lugar.