sexta-feira, 24 de julho de 2009

Mel

Não-se-sabe-como, Ele, o de Camisa Branca, já tinha identificado Ela, a de Vestido Preto e Botas de Salto Alto no meio do deserto de almas. Seus cabelos, a cor da pele, a voz, os trejeitos, o perfume, tudo. Mal sabia ele que ela era daquele tipo que gosta de se embarcar em papos e viagens trans-cen-den-tais, e não morria de amor-matado-assassinado por caras como ele (mas isto não é uma verdade absoluta).
Cuidado com as ilusões, mocinho, são profundas e enganosas feito o mar, dizia sua consciência em silêncio enquanto olhava para ela mexendo nos cabelos. Ele lhe ofereceu a mão. Pensou duas vezes antes de fazê-lo. E como num encontro mágico, suas bocas se tocaram numa nuvem cheia de desejo. Não falemos disso agora, pensou. E ficaram ali por instantes infinitos, infinitos, infinitos.
Ele pensava apenas em como seria dali pra frente e que gostaria tanto, mas tanto que ela o percebesse, e visse que ele sabia fazer mais do que amarrar os cabelos na nuca e beber uísque. Definitivamente não era o tipo de cara que segurava seus instintos. A desejava conscientemente. E sabia que era sempre amor.
Impulsiva, sem pensar em mais nada, se rendeu aos desejos de que tanto falam. Nunca pensou se deixar envolver com alguém assim em tão pouco tempo. Por um momento, pensou ter sido irresponsável por fazer algo não com tanta consciência como o de costume. Fora mais do que um simples beijo.
Rodeada de pensamentos, dizia a si mesma: pelo-amor-de-qualquer-coisa, que mal faz, ser feliz? É sempre amor, mesmo que não aquele que mora nas histórias contadas em bocas mal-ditas. É sempre amor.
E naquele momento foi, como numa comunhão sagrada, amor. Fez-se amor. Foi amor. E brilharam. Brilharam como Plânctons depois de fazerem amor (sim, eles Brilham!). Brilharam durante três dias e três noites. E assim se fez, delicadamente, um pouco do que pode ser Mel & Girassóis...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Girassol

Ficaram ali por instantes infinitos. Ela pensava demais, e chegou a acreditar que o que ela imagina que poderia ser talvez uma continuação às vezes não passa de um novo capítulo, que não necessariamente irá conservar as mesmas personagens do anterior, mas que poderá seguir uma ordem cujas regras nos são ilusoriamente às vezes familiares. Enquanto o de Camisa Branca a abraçava em mente, ela lembrou de algo que leu em um livro sobre a verdade ou sobre alguma verdade espalhada por aí. Era algo como a verdade é que se chega sempre longe demais quando não se quer Ir Direto Aos Fatos, e o problema de Ir Direto Aos Fatos é que não há cir-cun-ló-quios então, e a maioria das vezes a graça reside justamente nesses Vazios Volteios Virtuosos, digamos assim: que não haja beleza nos fatos desde que se vá direto a eles? Ou que não exista mistério, que seja insuportavelmente dispensável gostar dos tais circunlóquios. Ultrapasse-os, ordeno. Acontece que... Não, nada acontece - mas, por favor, não falemos disso agora. E o 'não falemos disso agora', foi o que a fez não pensar duas vezes. E ficaram ali por instantes infinitos. Que seja doce, ela pensava. Que pelo menos seja doce, doce, doce.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Um pouco de Mel & Girassóis

Ela tímida, ficou curiosa ao saber que alguém a olhava com outros olhos que não os normais e sim os de desejos incondicionais. Ele acanhado, a olhava de canto e lhe oferecia um gole de uísque só pra dizer que foi gentil. Tudo o que pairava no ar era desejo. Todos sabiam, e os dois continuavam inseridos em sutilezas, que, naquele momento, não precisavam ser ditas. Ele de camisa branca e cabelos compridos que eram grandes o bastante para amarrar na nuca; ela de vestido preto e botas de salto alto. Ele, daqueles durões que se apaixonam fácil. Ela, um dia fora amada e ferira de faca a quem a amara.
Então era desse jeito: o de camisa branca amarrando os cabelos na nuca enquanto o uísque fervilhava em sua garganta e, como num vício, como numa tara, entregava-se a ele e a tabacos lentos; a de vestido preto com botas de salto alto olhava o de camisa branca e seu uísque e pensava sobre os desejos incondicionais escondidos. Ele não lê bons livros, não sabe dançar; ela lê bons livros, adora dança com outro par, para variar. Ele tem dentro de si uma carência desejada; ela tenta não aflorar os seus instintos; ela Áries com Escorpião; ele Pisciano com ascendente em não-sei-o-quê, e, enquanto nada se decidia, ele amarrava os cabelos na nuca e ela rodeava a cerveja dentro da garrafa.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Fundamental é mesmo o amor

Fiquei ali sentada durante um bom tempo só observando. Ele, o patrono da família não disperdiçava a chance de ouvir uma boa música. Colocou no toca-discos a Gal para cantar Tom Jobim. E como mágica, de dentro daquela moça saiu uma voz doce e penetrante. Ele, encantado. Enquanto os burburinhos, sussurros e risadas preferiram ficar com as futilidades ele ficou lá, sentado na poltrona cor de sangue, de olhos fechados, apreciando a voz e em pensamento, "o nome dela é Gal".
Do outro lado da sala, uma menina-mulher olhava com doçura para aquela cena; para aquele homem de 60 anos tão encantado e ao mesmo tempo tão rabugento com a vida. Ele sozinho, ela encantada. Por um momento pensou que ele estivesse de olhos abertos. Mas não, se enganou. Ficaram os dois ali, parados, sorrindo, ouvindo a Gal cantar o Tom e, sem que ninguém pudesse perceber, cantavam juntos bem baixinho: "fundamental é mesmo o amor é impossível ser feliz sozinho"...

sábado, 11 de julho de 2009

Sutilezas Indizíveis

(ela lia muito, e quando contava uma história nunca sabia ao certo onde a teria lido, às vezes não sabia sequer se a tinha vivido e não lido).
Cultura demais mata o corpo da gente, cara, filmes demais, livros demais, palavras demais... Não que fosse amor de menos, você dizia depois, ao contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso? Eu continuava batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo nesta porta que não abre nunca.
Tomou uma e me estendeu a outra. Não, eu disse, eu quero minha lucidez de qualquer jeito. Plâncton, ele disse, é um bicho que brilha quando faz amor. E brilhamos. Diz que se você só planta uma espécie de coisa na terra por muitos anos, ela acaba morrendo. A terra, não a coisa plantada, entende? Pensando melhor, continuavam sem saber, fazia muitos anos, se a realidade seria mesmo meio mágica ou apenas levemente paranóica, dependendo da disposição de cada um para escarafunchar a ferida. Loucura assumida, loucura compartilhada, loucura disfarçada e dignificada, mas de qualquer maneira loucura.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Considerações sobre o tempo

A palavra tempo vem do masculino. Refere-se a um continuum linear não espacial no qual os eventos se sucedem irreversivelmente. Possui uma duração limitada, fazendo assim, uma oposição à ideia de eternidade. Período. Época. É uma sucessão de anos, meses, dias, horas, envolvendo a sensação de passado, presente e futuro. Estação. Duração própria. Estado atmosférico; clima. Duração de cada parte do compasso.
Se não lhe fosse perguntado o que é o tempo, saberia o que é. Se tivesse que explicar para alguém, não saberia. O grande problema é que o passado não está mais aqui, o futuro ainda não chegou e o presente voa tão rápido que parece não ter extensão alguma. E que, aliás, se o presente só surge para virar passado, não daria pra dizer que o tempo é um caminho rumo a não-existência?
O tempo é o jeito que a natureza achou para não deixar que todas as coisas acontecessem de uma vez só. É uma ilusão. A distinção entre passado, presente e futuro, não passava de uma firme e persistente ilusão. Outros, não identificados, acreditam que não há fluxo. Os eventos, independentemente de quando ocorram, simplesmente existem. Todos existem. Eles ocupam para sempre o seu ponto particular no espaço-tempo. E você?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Novinho em folha

Mais fresco do que pão de padaria às cinco horas da manhã, com vocês, o meu novo xodó: Fragmentos de Uma História Mentirosa.

Fragmentos de Uma História Mentirosa é a pequena parte de um todo. São fragmentos de uma história que jamais foi contada e, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. É a história de Carmem e Vinícius, que estão em processo de separação judicial, entre um sentimento de amor e de ódio, e, ainda com uma criança, Beatriz, no meio de tudo. Os textos postos lá estão como se fossem parte de uma réplica feita pela parte de Vinícius ao juíz, referindo-se ao pedido de separação de Carmem. Em grande parte foram usados termos jurídicos e de difícil compreensão, para obter uma maior aproximação com a intenção inicial de escrever um documento. Mas, o que se pede não é compreender os termos e sim, divagar sobre o cerne da situação e, refletir sobre o que se foi alegado. Ainda se encontram perdidas as folhas do pedido de Carmem (o outro lado), mas, quando forem encontradas, logicamente, encontraremos uma luz no fim do túnel. Enquanto isso, fica a seu critério, usar a imaginação. Os textos estão dispostos em uma ordem linear de acordo com o desenrrolar dos acontecimentos. Repito: qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Enjoy! Timtim.

A quem eu sempre sei que vai ligar no meio da noite

Escrevo para você não sei porque. Mas é engraçado o que acontece entre eu, e sim, você. Nos conhecemos quando? Me perco na hora de lembrar, sei que faz tempo. Foi lá num desencontro da vida que você me achou, e eu sem saber estava a te procurar. Algo aconteceu, mas muita coisa mudou. Hoje, sei que é você que sempre vai me ligar no meio da noite. Eu sempre sei. E você sempre o faz quando eu estou pensando em ti. Chega a ser estapafúrdio, e me sinto patética. Coisas do coração são assim, patéticas. Mas é verdade. Entre tantos que me esquecem é você quem sempre lembra de mim.
“Desde que me escribiste, en aquel día tán claro y lejano, he querido explicarte que no puedo irme de los días, ni regresar a tiempo ai otro tiempo. No te he olvidado — las noches son largas y dificiles. Lo que más importa es la no-ilusión. La maílana nace”.
Nunca te disse isso. E acho que nunca vou dizer. Me vejo pensando em você, e, me calo ao atender o telefone e quando você diz: "vamos tomar um café?", e eu respondo, "ih, hoje não vai dar". Me culpo toda vez que um não sai da minha boca pra te presentear. Você, que é tão encantador. Paixão agora mudou de nome, meu bem. É isso o que sinto por você: encantamento. Estou é encantada com você, com a sua música, com as suas palavras, com o seu som, com o seu vento. E sei, que é sempre você que vai me ligar no meio da noite, nem que seja só pra dizer: "tenho saudades".

domingo, 5 de julho de 2009

Oh! Darling.

Algum tempo atrás não podia nem sequer escutar o primeiro acorde dessa música dos Beatles. Quando ela tentava aparecer, eu já ia logo apertando o botão, e passava para a música da frente. Não dava, era angustiante. Dois dias atrás, no sorteio de músicas do iTunes ela foi a escolhida e, sem perceber, quando ví, não apertei o botão e, como não tinha ninguém por perto, me dei o direito de cantá-la aos gritos: "Oh! Darling, please believe me...", e foi uma festa. Como uma redenção, me libertei do fardo e das náuseas que me visitavam ao escutá-la. Os Beatles não merecem isso, pensei comigo.
Você deve estar se perguntando o porque. É uma longa história, e não cabe dizer aqui tudo o que aconteceu. É passado morto. Eu tive a infeliz ideia de associar esta música a uma pessoa. Parecia que inconscientemente eu queria que ela estivesse dizendo as coisas que são ditas na música pra mim, como que pedindo perdão e dizendo que nunca teve a intenção de me machucar. E aí, catapuft!, a pessoa se foi (ou eu mandei ela embora?) e a música ficou, trazendo lembranças um tanto quanto perturbadoras. Agora, sonho em algum dia poder cantá-la aos berros, no palco de um bar, junto com uma banda e com um copo de Margerita na mão, olhando fixamente para você.

sábado, 4 de julho de 2009

Mercúrio na casa 9; casa dos sonhos

A sua mente necessita de mudanças constantes. É como olhar do alto e ver a vida numa perspectiva mais ampla; insights intelectualmente eficientes a respeito das questões pessoais mais simples. O que parecia enorme no passado de repente passa a parecer menor. É o efeito de ver as coisas de um nível mais amplo. Atração por bibliotecas e livrarias cresce nestes próximos dias, uma vez que a nona casa é chama de "a casa dos sonhos", Mercúrio está bem localizado aqui, conduzindo você para as esferas da filosofia e dos temas espirituais.
Consequentemente, esta é uma fase boa para ensinar, escrever e também para aprofundar-se mais em questões de ordem espiritual. Importante é notar que a consistência dos seus esforços precisa ser bem desenvolvida, para que você não sinta um desnecessário cansaço mental, justamente por conta desta súbita necessidade de estar sempre de movendo para lá e para cá. Tudo depende da sua habilidade (ou não) de se ater a detalhes da vida prática dentro dos sonhos.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Coração

Um coração é movido a emoções desesperadas e, constantemente, se sente apavorado por um compasso mais forte do que ele mesmo; solta um grito agonizante de silêncio toda vez que o compasso se faz acelerar para que ninguém consiga escutá-lo. Devias vir com certezas e não como é.
Um coração que é terno e diz as coisas mais simples e menos intencionais ao sentir-se ardente a cada batida que desaba em um soluço sem lágrimas, e que deveria ter a beleza das flores quase sem perfume; ser puro como a chama em que se consomem os diamantes mais límpidos e, entregar-se à uma paixão como aquela dos suicidas que se matam sem nenhuma explicação.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Números

Voltava andando pela rua a pensar no que teria para o jantar quando chegasse em casa. Parou no supermercado mais perto e pegou um litro de leite, seis pães, uma caixinha de ovos -daquelas com uma dúzia-, meio quilo de linguiça, um saquinho de um quilo de arroz e uma garrafa de um litro e meio de refrigerante. Dirigiu-se até o caixa que dizia, "até 10 volumes" com a cestinha de compras na mão e sacou o cartão de débito: "sem saldo", disse o menino do caixa. Para garantir, sacou o cartão de crédito e então: "não autorizada", disse novamente o menino do caixa. Olhou para as compras, guardou os cartões; olhou para o menino, para as pessoas na fila e pensou: "eles não têm culpa"; sentiu o julgamento dos olhares e a repressão dos cochicos ensurdecedores que vinham de dentro; ajeitou o casaco, afastou as supostas compras, checou se os cartões estavam bem guardados, olhou para a porta, levantou o nariz, virou as costas e foi embora sem dizer nenhuma palavra. Continuou seu caminho pensando apenas nos números.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Cada macaco no seu galho?

Ontem a noite tive uma conversa um tanto quanto inusitada com o porteiro do turno da noite do prédio em que moro:

Porteiro: Ô, Andréa! Tava conversando com a sua mãe, lembrei que quando eu entrei aqui você tinha dois anos só. Tá crescida, né!
Eu: É mesmo. Faz tempo, hein?
Porteiro: É, pra você ver...
Eu: É.
(pausa)
Porteiro: Mas e aí, eu nunca mais te ví. Você nunca mais chegou tão tarde como chegava...
Eu: É, pois é. Naquela época eu tinha namorado e chegava bem tarde mesmo.
Porteiro: Ah, então por isso que não ví mais o Alemão por aí? Botou ele pra correr, é? (risos)
Eu: É. Não tava dando certo mais.
Porteiro: Ah... Tá certo, quando é assim, não dá mesmo. É melhor cada um ir para um canto.
(pausa) Sabe, o fulano de tal disse que viu ele outro dia no negócio lá, de... de, concursos, lá, não sabe?
Eu: Nossa, quem?
Porteiro: Ah, o moço do apartamento número tal.
Eu: Vish. Eu, hein? Mas o fulano nem sabia quem era!
Porteiro: Ah, mas as pessoas sabem, Andréa. As pessoas sabem. (risos)

Cada vez mais tenho a certeza de que nenhum macaco cuida do seu próprio rabo. E se cuida, adora dar uma bisbilhotada no do outro. Quem nunca o fez que atire a primeira pedra. Pois bem! Descobri que as pessoas vigiavam os meus passos, exageradamente falando, desde o dia que estava saindo do prédio junto com uma velhinha que só conhecia de vista me perguntou, "e o seu broto? Nunca mais ví! Ah, ele mora pros lados do meu filho, você sabia?".
Você não teria medo? Eu tive. E agora o porteiro. Primeiro ele sabia a que horas eu chegava e a que horas eu saía. Segundo, ele sabia que meu ex-namorado fazia cursinho para concursos públicos. Terceiro, ele ficou sabendo disso porque foi alguém que eu nem sei quem é sabia e contou para ele. Meu Deus! Queria entender da onde saem essas informações, e como é que funciona a astúcia das pessoas para ter essa relação com a vida alheia. Porque afinal de contas... Como o próprio porteiro disse, "as pessoas sabem", elas simplesmente sabem.