sábado, 28 de novembro de 2009

Nada é por acaso

Este blog, como o próprio nome diz -Anotações-, busca em pequenas anotações retratar alguns fragmentos da realidade. Para a autora, o cotidiano é  cheio de significados, e é impossível isentá-lo de poesia. Toda a graça e magia acontece nas pequenas coisas. E muitas anotações feitas, até com os olhos, são assim, graciosas e mágicas.

Ontem, enquanto conversava com dois amigos, um deles, espantado, afirmou: "mas nossa! Só problemas, hein?". De certa forma ele tinha razão. Apesar de rir e brincar com as histórias, elas falavam só de problemas. Dramalhões mexicanos em que nada se encaixa Certa vez, foi dito que nada acontece por acaso, e sempre acreditei nessa máxima -se assim pode ser chamada.

Um senhor, professor de literatura, dos cabelos brancos compridos até a cintura, de óculos grande nos olhos, alto, bem alto e meio corcunda, no seu andar transfigurava a aparência de um Mago -ao menos para mim. Cruzei com ele várias vezes na rua e também no metrô,  morávamos muito próximos. Nunca soube quem ele era, e nem ele a mim.

Só sabia o básico: professor de literatura. Isso despertava em mim uma curiosidade absurda. Sempre tive vontade de trocar alguns miúdos com ele, mas nunca me atrevi a puxar algum assunto. Sempre o via indo e vindo. Sabe aquelas pessoas que a gente sempre cruza na rua, ou porque sai no mesmo horário, ou porque fazem o mesmo caminho, ou por força do destino?

Algum tempo atrás recebi um telefonema dizendo que uma pessoa havia falecido. Fiquei espantada ao ver que o acaso -ou chame como quiser- de bobo, nada tem: disseram que ele teve uma morte tranquila. Aparentemente, chegou em casa, sentou na poltrona e ali ficou. Seu semblante era de felicidade, parecia sorrir.

Hoje, eu, a ânsia no peito para abraçar o mundo, a inquietação e a lembrança do comentário do amigo, fiicamos em casa.  Me comovi quando um textículo feito por sua esposa caiu em minhas mãos. Tive a certeza, mais uma vez, de que nada, mas nada acontece por acaso -por mais que esta frase seja falada aos sete ventos a todo o tempo. Aí vai:



terça-feira, 24 de novembro de 2009

Em meio à tempestade,

você chegou bem perto e quase que sussurando me disse:  "você vê o mundo com muita poesia. Isso não é bom".

Quiçá esse alguém tenha razão. Fica sem explicação o absurdo pensar, e até sonhar com você que ainda existe em mim.

Mato dragões, enfrento batalhões e sinto não querer chegar até você. Às vezes, acho que é também por isso que me escondo atrás de todas as portas quando te sinto mais perto.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ela me contou

que um dia, em NY, um mendigo louco, daqueles desvairados que andam por aí falando sozinhos, com as roupas rasgadas, um cachorro na sombra, mendigando de boteco em boteco, divertido sorrindo a toa em sua desgraça e fedidos como o pior esgoto de São Paulo, viu que ela era a única que lhe dava certa atenção disfarçadamente com o olhar, e não hesitou em gritar: "Smile! Smile! And the world will be yours!", enquanto ela passava.

Obviamente, nin-guém na rua entendeu.



Sorria! Sorria! E o mundo será seu!

E eu? Ah, eu guardei a sete chaves.

sábado, 14 de novembro de 2009

Era uma vez Cinzeiros Cheios e Copos Vazios...

...O Preço,

Olhou preguiçosamente para o despertador que marcava seis horas e vinte minutos da madrugada. Levantou, foi até a cozinha e passou um café fresco. Ao invés de pegar o jornal como de costume, resolveu ligar a tevê no noticiário da manhã. Sentou-se na beira da cama e ali ficou a assistir por alguns minutos. Logo depois, cansou-se de tantos delírios e resolveu arrumar a cama, abrir as janelas, deixar o sol entrar, lavar o rosto, escovar os dentes e dar um rumo na vida.
Como se escovar os dentes e lavar o rosto mudasse algo no reflexo que veria no espelho, jogou a água que julgou bendita na face, e olhou os respingos. Continou a olhar. Nada via de incomum, apenas os respingos. Uma das coisas que gostaria de mudar era sua capacidade de dizer sim e a de não dizer não. O equilíbrio dessas palavras em sua vida não existe.
Ouviu certa vez, que muitos nãos custam um único sim durante uma vida. Achou muito sábio, mas não era o tipo de filosofia que conseguiria se adequar rapidamente. Sempre deixa tudo para depois. Então, que diferença faria esperar calmamente pelo dia em que irá acordar e dizer, 'não. Agora não' em frente aos respingos no espelho? O preço que se paga por um não é tão caro quanto um sim.
Lembrou-se de ter deixado umas gotas de café caírem sobre umas folhas em sua escrivaninha, e pensou, 'mais vale uma escolha mal feita, do que uma escolha não feita'. Estaria disposto a pagar? E pensou: 'tem dias em que é melhor se fechar'.
Fechou todas as cortinas, desligou a tevê, desarrumou a cama, olhou para o relógio que marcava sete horas e vinte minutos e voltou a dormir.

Aqui tem mais, ó cinzeiroscheioscoposvazios

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Fernando fala muito da minha Pessoa

No entardecer dos dias de verão, às vezes
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria.

Ah, os sentidos, os doentes que veem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
E não haveria em nós necessidade de ilusão
Bastar-nos-ia sentir com clareza a vida
E nem repararmos para que há sentidos.

Mas graças a Deus que há imperfeição no mundo
Porque a imperfeição é uma coisa,
E haver gente que erra é original,
E haver gente doente torna o mundo engraçado.
Se não houvesse imperfeição, havia uma coisa a menos,
E deve haver muita coisa
Para termos muito que ver e ouvir
(Enquanto os olhos e ouvidos não se fecham).

Fernando Pessoa -ou melhor dizendo-, Alberto Caeiro em uma das páginas de seus poemas completos.

domingo, 1 de novembro de 2009

22:30 - Um péssimo horário para morrer

“Tudo exatamente como planejei. Tudo exatamente como eu planejei. Sabe o que acontece agora que matei? Matarei. Matarei. Matarei. Matarei”.
Matanza – Matarei


Cansados, exaustos, impacientes, frenéticos, preocupados e ansiosos em uma sexta-feira (30), véspera de feriado em São Paulo. Feriado este, em homenagem àqueles que já se foram, aos chamados, finados, enfim. Uma espécide de celebração à nostalgia do fim.
Sentados, queriam chegar em casa, quando todas as luzes se apagaram com o trem ainda em movimento. De súbito, as portas abriram e as únicas luzes que restaram foram as da estação. A curiosidade por saber o que estava a acontecer foi imensa. 

Só sei do que vi
A música parou de tocar nos ouvidos; os pés ficaram inquietos; as mãos começaram a suar frio; as bolsas e mochilas foram apertadas ao corpo; as conversas foram deixadas pela metade; o medo do desconhecido e os outros sentidos foram atiçados. A única coisa que se fazia sabida era a de que todos ali queriam chegar em casa, sãos e salvos. De repente um sinal, e a luz-no-fim-do-túnel: “atenção! Estamos parados devido à presença de usuário na via na estação à frente, Anhangabaú”. Todos, mesmo que inconsciente, soltaram um coro que inspirou metade tristeza e metade indignação. Como pode um peixe vivo viver fora da água fria? Tsc, tsc.

Em respeito ao fim
Maria de Lourdes, 57 anos, resmungou o tempo todo: “não poderia ser pior? Trabalhei o dia inteiro, aguentei chefe na minha orelha, cobri o plantão de duas pessoas e ainda tenho que enfrentar isso para ir embora? É um absurdo! Pode até se matar, mas não estraga a vida dos outros, né?”.
O caos instaurou-se. De tanto que foi, o riso no rosto das pessoas era inerente à situação. Não havia mais solução. Nenhum trem passou e a estação ficou lotada. Só rindo para não chorar. Ficaram a mercê de uma voz que pronunciava de cinco em cinco minutos calmamente: “senhores usuários, estamos circulando com velocidade reduzida, devido a presença de usuário na via”. Às vinte e duas horas e trinta minutos de uma sexta-feira, véspera de feriado. Definitivamente, um péssimo horário para morrer. Mas quem é Deus, afinal, não é? Às vinte e três horas e quarenta minutos, a normalidade voltou. Claro, em respeito ao finado fim.