segunda-feira, 20 de abril de 2009

O dia em que Margarida fez renascer Maria

E o meu jardim da vida
Ressecou, morreu
Do pé que brotou Maria,
Nem Margarida nasceu.

No dia 21 de junho de 1958 nascia do ventre de Yolanda, Maria Auxiliadora. As bocas faladeiras contam que cabia numa caixinha de sapatos, de tão pequenina. Inicialmente não era um bebê, e sim um fibroma.
Yolanda, nos seus 45 anos, não sabia que estava grávida da sua sexta filha, e tratou dos sintomas anormais que sentia com remédios fortes. Depois de sete meses, um sábio médico interiorano descobriu que o que tinha dentro dela era um bebê e não um fibroma como outros diziam. A família toda se manifestou em promessas: “minha Nossa Senhora Auxiliadora, se esse bebê vingar, darei teu nome com orgulho a ela”.
Maria Auxiliadora nasceu, recebeu o nome da santa, cresceu, e aos 10 anos de idade tomava sangue de Boi quente para não ficar 'desnutrida'. Teve 4 pais e 3 mães, que obrigavam-na a estudar e a comer tudo o que tinha no prato de comida. Namorou, estudou, riu, chorou, casou-se, e teve uma filha. Formou-se, separou-se, trabalhou, trabalhou, trabalhou e trabalhou.
De tanto trabalhar para os outros, Maria se esqueceu de si mesma. Digno de uma “Auxiliadora” dava-se para os outros, mas não se dava para si mesma. Maria, sempre foi uma pessoa que se expressou por meio do corpo, e, como dizem os que acreditam na psicossomática, todas suas mágoas também se transfeririam para o corpo, e foi o que aconteceu. Até que um dia, Maria conheceu Margarida.
Margarida, serena como a própria flor, fez Maria entrar em contato consigo mesma e sangrar. Sangrou na testa, tudo o que precisava, por meio de um corte profundo que foi feito para tirar dali o que não lhe pertencia. Um hematoma de mágoas passadas, que já não lhe adiantava em nada. Depois de duas horas, Maria saiu acabada. E, como tudo o que é perfeito é acabado, no dia 16 de Abril de 2009, Maria nasceu denovo. E dessa vez, não cabe apenas em uma caixinha de sapatos, mas sim, dentro de si mesma.

domingo, 19 de abril de 2009

Todo o tempo do mundo

Eu vi quando você me viu, seus olhos pousaram nos meus num arrepio sutil.
Eu vi, pois é, eu reparei!
Já lhe disseram uma vez que, “os olhos que não te enxergam, vão te enxergar, espere pra ver”, e não levou muito em consideração. Achou bonito, mas ao mesmo tempo sempre acreditou que não é assim que acontece, e não ia mudar sua visão assim, tão rápida.
Você me tirou pra dançar, sem nunca sair do lugar

Sem botar os pés no chão, sem música pra acompanhar
Acordou um dia, fez tudo o que tinha que fazer em casa: lavou a louça, arrumou a cozinha, colocou as almofadas do sofá da sala no lugar, desligou a televisão que havia dormido ligada, colocou o telefone no lugar, arrumou a cama, a bagunça dos papéis no quarto, abriu as janelas, deixou o sol entrar, colocou qualquer roupa e desceu para comprar o caderno de notícias do dia.

Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo, e o mundo todo se perdeu.

“Bom dia, menina”, ouviu da faxineira do prédio; um longo ‘booom dia, tudo bem?’ recebeu do porteiro; e um ‘dia’, tímido da moça que passava para dentro do gradil com suas compras pesadas na mão. Saiu do prédio e parou na calçada fora do espaço da faixa de pedestres, claro, e esperou os carros pararem e deixarem passar.

Eu vi quando você me viu, seus olhos buscaram nos meus o mesmo pecado febril.

Eu vi, pois é, eu reparei!

No momento em que seu pé se pôs no asfalto, em meio a mais cinco pessoas que estavam no mesmo espaço, atravessando a rua num fluxo contrário, um olhar cruzou com o dela. Era alto, loiro, magro, tinha os olhos da cor do mar. Os olhares se cruzaram em um fragmento de segundo, e fez crescer um turbilhão.
Você me tirou todo o ar pra que eu pudesse respirar
Eu sei que ninguém percebeu, foi só você e eu.
Vestia uma calça jeans surrada e um all star preto, como o seu. Uma camiseta branca por baixo de um suéter verde musgo, e carregava traços fortes, de homem. Andava despojado, e não levava nada nas mãos. Ele olhou, e por isso ela também olhou. Olhares compenetrados, de esguio, tímidos, interessados. O tempo parecia ter desacelerado.
Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo, e o mundo todo se perdeu
Ambos continuaram a andar. Ele continuou para lá, e ela para cá rumo à banca de jornal, rindo à toa no meio da rua, preenchida por emoções que não soube controlar no meio do vazio que habitava dentro de si, e deixou sua imaginação criar asas. “Oi, tudo bem? Tem o ‘Estado’ de hoje ainda?”, “Tem. Mas escuta, porque você sempre compra jornal de dia de semana? É tipo quando ‘dá na telha’?”, “Ah, é sim, compro só quando me interessa”. Depois desse dia passou a comprar o jornal todos os dias.
Ficou só você e eu.
(Quando você me viu).

domingo, 12 de abril de 2009

Inesquecível

Cheguei a desacreditar quando ouvi os primeiros acordes da guitarra e as primeiras batidas das baquetas nos tambores. Antes, o ‘Doutor Pecado’ tinha feito uma tentativa de animar a multidão. Foi boa, mas não deu muito certo. O esperado de verdade não era o coro de “Futebol, Mulher e Rock’n Rol, meu deus como isso é boml”. Nenhuma música melhor pra anunciar a chegada do Kiss ao palco, tirando o futebol, claro.

No momento em que tocava de fundo, ‘wont get fool again’, do The Who, uma bandeira enorme despencou do alto para dizer, “preparem-se é daqui a muito pouco tempo que vai começar o melhor show das suas vidas”. E com todo o direito do mundo, eles, os mascarados, entraram no palco com dignos estouros para começar o show em São Paulo da turnê, ‘Alive/35’, levando 30 mil pessoas ao êxtase.

Mais inteiros, completos, mascarados, fantasiados e maquiados do que nunca, o quarteto de Paul Stanley (um tanto quanto rouco), Gene Simmons (sempre 'o' personagem), Eric Singer e Tommy Thayer levou uma multidão ao delírio com os primeiros acordes de “Deuce”, seguidas de “Strutter” e de Simmons cuspindo fogo (cuspindo fogo!) em “Hotter Than Hell”.

O ápice do show foi quando Paul Stanley começou a tocar a introdução de “Stairway to Heaven”, do Led Zeppelin e fez um suspense descabido ao cantarolar, “there’s a lady who is shure, that all the glitter is gold…”, “Toco essa?”, perguntou. Naquele momento, juro, se eles realmente tocassem essa música eu poderia morrer feliz no dia seguinte. Mas isso não aconteceu, e depois da brincadeira de (muito) mal gosto, veio a empolgante “Black Diamond”.

Embora a meteorologia tivesse previsto muita chuva, a única que de fato aconteceu foi de fogos, de papéis prateados em cima de todas as cabeças, e um vôo até o outro lado do Anhembi do Paul Stanley no solo da “Love Gun”. Eu gritava, cantava, pulava, e não estava nem aí se eu não conseguia ver o palco, se o meu joelho estragado fosse ficar mais estragado ainda, e se eu iria ficar sem voz no dia seguinte na hora de cantar “Rock and Roll All Night”, “I Was Made For Loving You” e “Detroit Rock City”.

Meus olhos brilhavam e meu coração palpitava descontroladamente. Foram as três horas mais rápidas da minha vida em meio a pessoas maquiadas como os verdadeiros maquiados, a músicas, fogos, chuva de papéis prateados, pessoas queridas ao meu lado, gargantas se esgoelando de tanto cantar e de gritar "cadê os peitoooos?".

No dia seguinte quando vinham me perguntar, “como foi o show?”, eu não conseguia contar como se aquele momento realmente tivesse acontecido, e apenas dizia, ‘foi inesquecível’. Podem falar o que for, mas o Kiss é o Kiss, sempre. Foi demais.

*Alguém! Uma máquina do tempo, por favor, eu preciso de uma!
*História número 23445435 para contar para os filhos!

sábado, 11 de abril de 2009

Adeus você

Era tão bom estar em suas mãos, passar na frente daquele lugar só porque sabia que você estaria lá.
Era tão bom estar em suas mãos, esperar telefonemas e mensagens só para ouvir sua voz, ou para ler algo que vinha de você enquanto tentava dormir a noite, acabando com pacotes de chocolate e tomando café para não dormir, só a esperar você.
Era tão bom estar em suas mãos, olhar pra você e saber que alguma coisa você fazia comigo mesmo sem saber, que deixava minhas pernas a tremer.
Era tão bom estar em suas mãos, jogar conversa fora na mesa de um bar com os amigos, dar risadas em meio a cervejas enquanto eu tagarelava sobre mim, sobre livros, paixões, pessoas e afetos e você sobre o futebol, artes, música, poesia e sua vida.
Era tão bom estar em suas mãos, esperar você chegar e dar chilique porque não chegou na hora que tínhamos combinado.
Era tão bom estar em suas mãos, me sentir segura ao entrelaçá-la à minha no meio da rua em meio a tantas pessoas, e sentir minhas bochechas corarem ao dizer que era você, só você pra mim; e ser correspondida com um sorriso sincero acompanhado de um beijo e um abraçado demorados.
Era tão bom estar em suas mãos, discutir política e criticar sua visão completamente deturpada em relação a algumas coisas, e brigarmos por isso.
Era tão bom estar em suas mãos, sentir seu corpo quente na minha pele, e, passando a mão pelos seus cabelos ouvir você sussurrar palavras que não são permitidas dizer à luz do dia, e depois, deixar a luz entrar enquanto sua mão encontrava a minha para um delicado “bom dia”.
Era tão bom estar em suas mãos, e sentir o seu abraço apertado quando eu me desesperava e chorava compulsivamente porque algo tinha saído da normalidade.
Era tão bom estar em suas mãos, e discutir, brigar, gritar, por coisas que para você não tinham nenhum sentido e que para mim faziam toda a diferença, e te ver dando meia volta em minha direção depois de virar as costas e não ter dito coisa com coisa.
Era tão bom estar em suas mãos, e ver o seu sorriso quando me olhava, com tamanha paixão, e crer que o que via em mim, era realmente o que eu era.
Era tão bom estar em suas mãos, ir ao cinema na sessão da meia noite no pior filme possível, encher a cara de coca-cola light e passar as mãos melecadas no seu rosto de tanta manteiga que tinha na pipoca e rir como duas hienas descontroladas.
Era tão bom estar em suas mãos, ficar em casa aos domingos de pijama junto com você, e brigar pelo controle da televisão.
Era tão bom estar em suas mãos e saber mais de você do que muitas outras pessoas que te conheciam a mais tempo do que eu, e saber dizer a palavra certa, na hora certa, junto com um beijo e um abraço caloroso pra te confortar no meu peito e dizer que vai ficar tudo bem.
Era tão bom estar em suas mãos, e ler quantas vezes fossem necessárias as cartas que foram mandadas no começo de tudo, só pra relembrar.
Era tão bom estar em suas mãos, e ver a sua preocupação em cuidar de mim, em saber se eu estava bem quando uma simples dor de garganta veio acompanhada de uma febre me atacar, e me deixar de cama, e ver você oferecer a sua blusa pra mim todas as vezes que eu estava sem a minha.
Era tão bom estar em suas mãos, e ver que além dos meus pais você se preocupava com o vento que batia nas minhas costas.
Era tão bom estar em suas mãos. Tão, mas tão bom que delas nunca desejei sair. Tão bom que você, você mesmo, você com quem eu falo: eu nunca soube quem foi, e acredito firmemente que a não ser em meus desejos e devaneios de-menina-sonhadora-que-sou, nunca de fato existiu.
Adeus você, adeus.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

A Pólis do Paraíso

Andei como uma condenada naquele dia. Só de lembrar minhas panturrilhas se estremecem de fadiga: foram uns exagerados 10 km a pé, depois de descer do Jardim das Palmas-Hospital das Clínicas na altura do número 2.600 da Av. Giovanni Gronchi. Olhava tudo com muita discrição, e ao mesmo tempo com uma ansiedade e um receio pulando por dentro. Nunca havia entrado em uma favela, e lá estava Paraisópolis a me esperar.
Com um gravador na mão, a utopia na cabeça, e mais três amigos, fui andando e registrando com meus olhos: casarões com muros altos, ruas desertas, carros importados, muito dinheiro, portões de alta segurança, e uma bifurcação. Conforme subíamos a rua, a realidade dentro de outra realidade se mostrava. O mundo das ruas e não das casas, da malandragem e não da maquiagem, da pobreza e não da riqueza, da luta e não da perda, da vida e não da morte, de milhares e não de poucos, do povo e de gente como a gente.
À frente um bar, uma mesa, um senhor, uns olhos vermelhos, uma garrafa, uma criança, e quatro estudantes andarilhos de jornalismo. Ao lado uma casa, uma porta de vidro, várias roupas, uma máquina de costura e uma senhora: “Com licença! Por favor, a senhora sabe onde fica a Associação de Moradores?”, “Sim. No final dessa rua”. Mal sabíamos que o final da rua estava bem longe do bêbado e da costureira.
A rua parecia nunca chegar ao fim, e o sol e o calor também não. A garrafinha de água já estava vazia, as pernas já estavam cansadas, os corpos suados, a paciência persistia, e o tempo já tinha se esgotado. Mas continuávamos. Uma ‘Casas Bahia’ gigante, um supermercado, um ônibus laranja estacionado, uma rua estreita, e um moço: “Por favor, a Associação de Moradores é por aqui mesmo?”, “Olha, moça, não sei, mas continua reto que você chega lá!”.
Mais adiante, um lugar encantador, e um devaneio sonhador apareceram. Havia um carro antigo parado em sua frente, parecia um opala e era bege, um branco sujo para melhor dizer. A Marcenaria que-não-me-lembro-o-nome, construía-se envolta de uma árvore grande e gorda. Cheia de penduricalhos, além de marcenaria era um antiquário. Colorido, estreito e curioso, havia também um senhor, uma cadeira, e uma cigarrilha sentados à porta. Bateu uma vontade enorme de entrar, conhecer e conversar, mas me contive. Ficou pra próxima, a visita ao senhor que dei o nome de Manuel.
Continuávamos. Encontramos numa esquina com um familiar: “olha, não parece o cachorro do Ensaio Sobre a Cegueira?”. Sim, parecia. Parecia não, era igualzinho. Bege, descabelado e perdido. Só não havia ninguém chorando na porta da vendinha em que se encontrava para poder mostrar realmente a que veio. ‘Descabelado, o cachorro enxugador de lágrimas!’.
Depois de guardar o gravador, esquecer da utopia, continuar com três amigos, não ter mais uma garrafinha cheia de água, estar com o desodorante vencido, com as bochechas coradas do sol, passar por um bêbado, uma criança e uma costureira, por subidas e descidas, por ruas estreitas, por um ônibus laranja solitário, por uma ‘Casas Bahia’, pela marcenaria do seu Manoel e pelo ‘Descabelado’ chegamos onde tínhamos que chegar.
Só aí, já dava pra escrever uma história e tanto. Sentamos, e ficamos por um bom tempo na companhia de João Antônio, Zélia Gatai, Graciliano Ramos, Tina Modotti, Gabriel García Marquez, e de livros com títulos do tipo, “O Sol é Para Todos” e “A Sangue Frio”. Sentar e ficar entre livros naquele momento, foi a glória, acredite.